Memórias III - O banho de bacia

 

Quem foi criança até meados da década de 1980 deve-se lembrar do banho de bacia.

Nas famílias sem muitas posses, principalmente as mais numerosas, não havia chuveiro elétrico, só o não elétrico.
Nos dias de verão, tudo bem, embora não fosse lá muito agradável.
Lembro que eu tinha um tática para o banho de chuveiro frio. Colocava o pé pra ir me acostumando com a água fria, depois a perna, ia pegando um pouco de água nas mãos e espalhando pelo corpo pra ir me acostumando...
depois fechava o olho e... dava um pulo no meio da água.
Engraçado, não me lembro de todos os pulos...
Minha mãe, sempre atenta, algumas vezes me mandava voltar para o banho sob os meus veementes protestos. Mundo cruel, como se pode duvidar da palavra de uma pobre e inocente criança?    
Mas isso é outra história...

Continuando a nossa saga da bacia, eis que então chegavam os dias de frio...
Quem se arriscava a tomar um banho de chuveiro num dia frio?

Então começava-se um ritual:
Botava-se a água para esquentar no fogão. Enquanto isso no banheiro, tirava-se a bacia de alumínio que estava encostada na parede e a colocava no chão. Colocava-se um pouco de água fria na bacia e ia para a cozinha. Assim que a água estava bem quente, colocava-se a água num balde e levava  para o banheiro.
Lá já estava o outro balde com mais água fria.

Aí ia-se dosando a água quente e a fria e passava-se a mão para sentir a temperatura da água. Depois de se certificar da temperatura era hora de sentar para tomar o banho.
Algumas vezes errava-se no teste da mão e levantava-se mais rápido do que havia se sentado, com o bumbum vermelho...

O banho no início era bom, relaxante, passava-se a bucha, que se pegava no quintal; hoje é artigo de supermercado e ostenta o pomposo nome de: Bucha vegetal ! quem diria, hein?
Mas depois de alguns minutos a água começava a esfriar, e aí não tinha jeito, era hora de sair.
E logo que um saía, lá estava o outro esperando.
Homens, mulheres, velhos, crianças, um após o outro, desfilando suas vergonhas no meio da bacia...
como uma pajelança...
A mesma bacia, o mesmo sabonete, a mesma bucha...

Não me lembro de alguém se queixar de ter pegado alguma doença por causa do banho de bacia. Talvez os micróbios daquela época fossem respeitosos, ou então como ninguém sabia que poderia pegar alguma doença, nada acontecia...


Não tenho idéia de quando tomei meu último banho de bacia, provavelmente nunca mais tomarei...
O banho de bacia nem era tão bom assim.
Mas...
Que dá uma saudade isso dá!
Talvez porque o chuveiro seja uma coisa prática, dá o que você precisa e pronto.
Chuveiro só tem uma utilidade, bacia tem mil e uma...

Parafraseando Rita Lee e Arnaldo Jabor, na música "Amor e Sexo":
Chuveiro é prosa, bacia é poesia...
E ainda rima...

Para quem duvida que banho de bacia pode ser poesia, Drummond fez uma intitulada...

"Banho de bacia."

Veja a poesia no link abaixo: 

http://em-prosa-e-verso.blogspot.com/2010/05/um-menino-condenado-ao-banho.html,