sexta-feira, fevereiro 4

Um outro dia na vida...


Dias atrás chamei a senha para abertura de uma conta, e vieram um senhor e um rapazinho. Pedi a documentação, e o senhor me entregou os documentos do rapaz juntamente com o xerox.

Perguntei então para o rapazinho: E aí vai querer abrir uma poupança?
Então houve um instante de silêncio...

Depois desse instante, o senhor me falou: ele não escuta, é surdo.

Continuei o atendimento, pensando se havia cometido algum erro, se agira certo ao perguntar, se o tom não havia sido ofensivo diante da situação.
Convoquei um rápida sessão no tribunal da minha consciência, fiz um julgamento relâmpago e concluí que eu não teria como saber se ele era deficiente ou não, o tom fora amistoso, enfim, Ufa!!!, no tribunal da minha consciência fui absolvido.

Mas notei que havia algo diferente naquela situação, já havia atendido pessoas com deficiência, mas a forma como o senhor me havia falado da surdez do rapaz me chamou a atenção.
Havia quase que uma ponta de contentamento quando ele havia me falado, havia um brilho diferente em seus olhos. Fui preenchendo a ficha e uma dúvida me apossava: perguntar ou não sobre a surdez .
Era de nascença? fora acidente? pergunto? não pergunto? pergunto? não pergunto? sim? não? sim? não?
Tomei coragem e tentando soar o mais despreocupadamente perguntei: “ele já nasceu assim? ”

Ele me respondeu com o mesmo contentamento da primeira vez: nasceu com 85% de deficiência, hoje está melhor.

Vendo o orgulho dele, perguntei, já sabendo da resposta: Você é o pai dele?
Ele assentiu e eu então lhe disse:
- O senhor tem muito orgulho dele não é mesmo?
- Sim , é um menino de ouro, estava trabalhando em uma empresa e agora foi chamado para trabalhar em outra. Ele tem apenas 17 anos e está saindo de uma grande empresa e entrando em outra. Na idade dele é tão difícil arranjar um emprego e ele já conseguiu dois, além disso é professor de braile e dá aula por todo o Norte de Minas.

Fiquei satisfeito comigo mesmo por ter tido a coragem de perguntar e de poder ver uma admiração tão genuína e apreciável de um pai por um filho. Pensei no quanto deve ter sido difícil quando foi descoberto o problema auditivo, mas se o filho dele não tivesse a deficiência, muito dificilmente ele teria aquele brilho no olhar.

Nada como um dia após o outro...

* Na pintura,Ludwig Von Beethoven , que foi um dos maiores compositores de todos os tempos. Compôs sua mais famosa sinfonia, a nona, quando já estava completamente surdo.


Publicado originalmente em flaviocolares.zip.net em 15/12/2006

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